quinta-feira

6 7 coisas inéditas sobre mim...

A Mani me pediu para contar 6 coisas que ainda não tivesse mencionado no blog, Infelizmente não há nada de inédito comigo. Tudo velho, para variar. Daí reciclei um pouco o “mais do mesmo” que sempre acaba reverberando por aqui, tentando revelar alguma faceta oculta... As seis coisinhas ficaram gigantescas (há três ou quatro outras, dentro de cada) espero que ela fique satisfeita!... A recomendação é de que, quem gostar e tiver vontade, repita o exercício.

1. Meu ar slow motion. Sou lentidão pura. Tenho a precisão de uma tartaruga para caminhar com a vida. Penso devagar, falo devagar (algumas pessoas se enervam muito com isso, demoro muito a terminar sentenças, às vezes simplesmente não termino), ajo lentamente na maioria das ocasiões. Adio decisões interminavelmente... No entanto, a lentidão, no meu caso, não é nenhum sinônimo de prudência. É lerdeza mesmo. Para fazer bobagens costumo ser rapidinha...

2. Só. Sou solitária por natureza. Em ônibus e filas de banco. Em cinemas, igrejas, shopping centers. Entre multidões, obviamente. Mesmo entre amigos chegados. Mesmo em festas. Mesmo a dois. E especialmente em reuniões de família. Tenho um sentimento que aos poucos defini como estranheza. Acho que é muito comum nos dias de hoje, vejo-o citado por outras pessoas. E não tem nada a ver com o isolamento ou fobia social. Sou tolerante e me afino facilmente às pessoas mais diversas, adoro rir, brincar e conversar. Adoro ser convidada para os programas mais distintos. De ir ao cinema a cair de boca numa montanha russa (claro, boates, vaquejadas e shows sertanejos, passo). Mas, no fundo, estou sempre só. (Acho que todo mundo que já leu esse blog meio que já sacou isso, mesmo assim, não quis perder o tom confessional).

3. Sem lenço nem documento. Há uns três anos (talvez um pouquinho mais) não faço assinaturas de jornais e revistas porque não tenho endereço fixo. Perdi contato com alguns amigos/as a quem escrevia cartas por ter passado tempo demais sem saber o que colocar ali embaixo de onde está escrito "remetente". A fatura do meu cartão é debitada na conta corrente para desatar um dos nós do imbróglio. Venho morando em lugares que não são meus e em cidades que não são minhas. Mas a verdade é que nunca tive um sentimento de pertença. "O céu é meu teto", brinco. E daí os amigos me chamam de cigana, nômade e etc. Isso tem se tornado crônico ultimamente. Tenho medo de estar endoidecendo, às vezes, com essa necessidade de ir embora que não cessa. Não é algo repentino, aos 17 anos saí da casa dos meus pais. Que já não era minha. E ainda não encontrei aquele lugarzinho que pudesse chamar de lar. Isso não chega a ser inédito – já que esse blog praticamente gira em torno de minhas queixas e esta é uma delas.

4. Nada de chapinha. Durante toda a vida (até bem pouco tempo) achei que tinha cabelo liso e queria, em vez disso, ter cachinhos. Queria uma juba indomável dessas que a gente puxa para trás e prende na tiara. Nos coroando, nebulosa, meio medusa. Sempre me descrevi como baixinha, pele clara, cabelo escuro, liso. Agora isso mudou. O paradigma de cabelo liso já não é mais aquele. Hoje, sou uma rebelde, praticamente. Descobri isso quando a sogra do meu irmão insistiu comigo para que eu fizesse uma escova progressiva. "Seu cabelo vai ficar liso de verdade", disse ela. Gostei da sensação de transgressão. Agora estou geneticamente fora de moda. Hehe.

4. 5.Eu uso óculos. Uso sim. Hoje mesmo vou pegar meus dois pares novos. Estava há uns dois meses sem, sentindo a diferença. Faz falta. Dessa vez fiz um sobressalente, de antemão. Um de acrílico, branco. O outro numa daquelas armações metálicas em que a lente fica presa apenas nas extremidades. Eu gosto, fico com cara de inteligente. Já percebi que as pessoas me respeitam mais quanod estou de óculos. O criador do Clark Kent sabia das coisas...

5. 6.Gosto de cozinhar. Aliás, adoro. Não tenho disciplina nem organização para colecionar receitas, mas tenho algumas de memória que sempre fazem sucesso. Adoro fazer saladas, molhos, receitas vegetarianas. Adoro a textura de alguns legumes e a cor de condimentos específicos (o amarelo do curry, UAU).

6.7. O que eu quero ser não existe. Quando eu tinha doze anos queria ser jornalista. E queria muito, muito mesmo. E continuei querendo por um longo tempo. Daí fiz vestibular, passei e, depois de descobrir o que realmente isso significava, o querer foi desfibrando. Até se transformar em mal-querer. Ultimamente, quase ojeriza. Adoro escrever. Mas não gosto de trabalhar em redação. Fico feliz em estar fazendo assessoria por uma boa causa, mas “prazer no que faço” que é bom... tá difícil... Fiz mestrado pensando que talvez meu lugar estivesse mesmo na sala de aula, mas agora já não tenho tanta certeza... Infelizmente, ganhar a vida e pagar as contas, essas coisinhas banais, também estão na minha pauta do dia, como na de todo mundo. E as pessoas costumam dizer que não me vêem fazendo outra coisa. (Uma forma delicada de falar que eu não sirvo para nada mesmo). A essa altura já não queria mudar de profissão (nem me ocorre nenhuma da qual eu pudesse gostar realmente). Fico tentando inventar ocupações visionárias, capazes de me fazer feliz. Infelizmente, nenhum dos meus talentos rende dinheiro. Ninguém emprega poetas e artistas sempre estão na pindaíba. Quem tiver alguma idéia milionária sobre como extrair dinheiro de minha vocação, manda um email, please. ; )

atualizando: só agora notei que em minha lista de seis há dois itens no. 4. Devia agora acrescentar um oitavo, para dar conta da minha desatenção.

domingo

Caixinhas de pixels

Há presentes que chegam em caixas. De porcelana pintada. Bordadas de pedraria. Reluzindo madrepérola. Com fitas, fendas, dobras. Contêm a maciez do açúcar, o perfume dos guardados, a cor terna das folhas velhas.

Há outros que chegam em arquivos lacrados nas caixas de emails. Mas carregam a mesma intenção secular do carinho. Derramando flores nas lonjuras que atravessam, cortando caminhos espessos, conduzidos por um fio.

Tenho recebido muitos destes. De pessoas tão amorosas e queridas. Que nem sei se mereço tanta delicadeza. O mais recente veio da menina mais doce desse mundo. Uma canção que faz a gente levitar feito pluma levada pelo vento. A “coisa mais linda”, como ela mesmo definiu.

Quando Beatriz e Caiana te perguntarem, Dionísio,
se me amas, podes dizer que não.
Pouco me importa
ser nada à tua volta,
sombra, coisa esgarçada
no entendimento de tua mãe e irmã.

A mim me importa, Dionísio, o que dizes deitado ao meu ouvido
e o que tu dizes nem pode ser cantado
porque é palavra de luta e despudor.
E no meu verso se faria injúria
E no meu quarto se faz verbo de amor.

(Poema V de Ode Descontínua e Remota para flauta e oboé..., de Hilda Hilst - Mágico na canção de Zeca Baleiro e na voz de Ângela Ro Ro)

Cenas de aeroporto

Ontem fui encontrar outra natalense que vive em Brasília. Irmã de um colega da faculdade e também jornalista. Ela está aqui há três anos, é assessora de imprensa de quatro aeroportos. Caiu no planalto de pára-quedas, não escolheu vir viver aqui. Uma boa classificação num concurso com o prazo prestes a esgotar a fez tomar a decisão de mudar radicalmente. Ela me disse que teve menos de 24 horas entre a dúvida e o sim.

Pensávamos em ver um filme ou ir a uma exposição (tem uma maravilhosa, sobre arte cubana). Mas acabamos visitando a feira do livro e nos permitindo algumas horas de conversas. Daquelas labirínticas, em que um assunto leva ao outro e os fios vão se entrecruzando num novelo. Muitas histórias. Falamos dos livros infantis que desejamos escrever, do mundo cada vez mais visual que nos fisga pelos olhos, dos quadros de Gustave Klimt, de poesia, desse desejo de escrever de forma clariceana (como se realmente fosse fácil), da solidão, trajetórias, destinos, da crença de que nada é por acaso, das teorias pessoais que criamos para nos proteger e aprender com a vida. De ilusões, desilusões. E de amor, claro, assunto irrevogável em todas as longas conversas.

Comentei com essa moça adorável que trabalha no aeroporto o meu sentimento sobre as "cenas de aeroporto". Ultimamente tenho presenciado muitas. Os amores despedaçados nos saguões, as lágrimas, os corações partidos. E, de outra sorte, o emaranhado intenso dos amantes. No choque dos corpos ansiosos para se tocarem depois de uma longa espera - o brilho dos olhos saltando no rosto, os fôlegos se amparando boca a boca.

Há uma teatralidade visceral nesses gestos. Real, atávica, um rito espontâneo: os encontros e desencontros que atam e desatam tudo nessa vida.

É encantador ver o sentimento virar espetáculo – por ser uma ação totalmente desprovida da vaidade consciente de quem encena, ausente de consciência da observação. Eles estão presos demais um ao outro para se saberem identificados na multidão. E é linda aquela visão do “eu te amo e o resto que se dane”.

E eu dizia a ela, que concordava comigo, que eu queria um pouco disso, qualquer dia desses. O sentimento do encontro abalando as minhas pernas. Pois das despedidas já sei o bastante.

Pílulas

_Alguns exercícios para driblar a insônia

Sonambulia

a gota d’água, silente,
espera.
quase jorra
quase geme
quase sente

e, nesse instante,
arde
para sempre.

Cortes

Na visão da fragilidade
me fortaleço
Preciso enxergar as feridas abertas
Para assoprar onde dói.

Garras

Uma ave de rapina
Carrega, preso às unhas,
o meu coração
pressinto a queda repentina

- numa clareira mansa
ou no olho do furação?

Ímpeto

há momentos
em que meus dedos
teimam em dedilhar
as teclas
que pertencem
ao teu número.
mesmo sabendo que ele já não existe.

terça-feira

O outro como a nós mesmos...*

Nesses tempos em que tudo parece errado a nossa volta, a única solução que vejo é pararmos de exercitar a outridade. Não, o errado não está fora. O medo não vem do outro. Nesse arquipélago imaginário, onde nos ilhamos no simbólico do dinheiro, da idade e da cor, não somos nós – que tememos pela invasão de nossas casas, que choramos quando um moleque nos carrega a bolsa ou enfia um revólver pela brecha do vidro do carro, que berramos de agonia quando arrombam nossa fechadura – os maiores atingidos.
Nós ainda temos o mínimo. Um teto. E essa pretensa condição de ilha.
Para cada mulher loura que tem a corrente laçada pelo pescoço, há milhares de crianças negras não alfabetizadas...
Para cada homem branco de gravata que tem sua carteira roubada, há mães que perdem cinco, seis filhos, vítimas das redes de tráficos - que não, não são sustentadas por meros consumidores, mas por toda uma teia social de um estado que permite que o autoritarismo de uma legislação figurativa seja argumento mais forte que a vida - que já nem sabem mais a densidade atingida pela dor. Extintas de qualquer rasgo de compreensão acerca desta realidade que as cerca.
Para cada surto de pânico que nos leva a um psiquiatra, há centenas de crianças que não chegam sequer aos doze anos. Catando comida no lixo, tendo seu sexo inocente posto à prêmio, ressequidas, sem afeto, sem educação, sem respeito, sem nada que lhes cultive uma alma com grandes vestígios disto que comumente chamamos de humanidade.
Para cada noite em que preferimos ficar em casa, há milhões de noites de mulheres desprotegidas em suas próprias casas, queimadas a ferro, seviciadas, espancadas, despidas de qualquer vestígio de dignidade por aquele que um dia lhes jurou amor. E inúmeros corpos que atravessam as noites, tocados, punidos e mutilados por quem lhes compra barato, sem saber quando poderão despontar para um novo dia.
Então, antes de choramingar no travesseiro, vamos vestir a carapuça.
Antes de acreditar no efetivo entusiasmo das doações de cestas básicas, do sopão no fim de noite, dos 10% na igreja, vamos nos sentir mais no outro. Eles somos nós. Afinal, quem chacinou nossos sentimentos? Quem bombardeou nossa identidade ao ponto de não deixar que ela mantivesse esse vínculo de igualdade? E se fosse o seu pai, sua mãe, seu filho? E se fosse você? Antes dos gritos de socorro, precisamos, mais que nunca, ser feitos/as de ouvidos.

* texto escrito em adesão à blogagem coletiva proposta pela Laura. Participem vocês também.

quarta-feira

Morangos.

É tempo de morangos aqui no DF. Nas esquinas dos lugares movimentados da cidade, há inúmeros vendedores empilhando as caixinhas repletas da fruta, vermelha e fresca, aguçando - por intermédio dos olhos - o mais desavisado dos paladares.

Quase todos os dias eu passo na quitanda do japa, voltando do trabalho, e compro ao menos duas bandejas de morangos. Prudente, espero chegar em casa para os lavar na água corrente da pia, mas o desejo que tenho é de degustá-los ali mesmo, em plena rua. Sentir já aquela polpa suave, açucarada, que não necessita de químico algum para deixar a vida menos amarga...

Antes de dormir, geralmente, eu abro um livro e me deito com minha tigela de morangos. É meu ritual de primavera. E vai durar o tempo necessário em que eles estiverem assim, em sua época de maior doçura.

E há todo um ritual nisso. Escolher os mais bonitos, transportar a embalagem, com o cuidado para que não se machuquem em ônibus lotado, depois caminhar até em casa com as bandejas no colo - duas quadras, ao todo - e lavá-los, um por um, sentindo a calidez de sua pele suavemente àspera na ponta de meus dedos.

Queria ter, para tudo na vida, essa mesma cautela que reservo aos morangos. Talvez, se não fosse tão intempestiva, conseguisse preservar alguns sentimentos, para que eles fossem tão livres e plenos quanto os morangos saboreados um a um, sem pressa. Ao menos não me sentiria assim, com essa indigestão de quem comeu uma fruta roubada. Remoendo a culpa de ter devorado uma tonelada de morangos de uma só vez.

sábado

Trocar de pele...

É a metáfora de minha vida. Tem sido assim. Sempre.
Quando trabalhei no jornal lembro de uma vez em que um diagramador me chamou de “inoxidável”. Achei engraçado, gratificante, o adjetivo. Quem conhece as manhas de uma redação vai entender o que ele quis dizer. Em agradecimento, escrevi um poeminha... onde eu dizia que não era inoxidável. Ao contrário. Por força da necessidade, arrancava as minhas escamas nos dentes: “trocar de pele todos os dias é o que me faz sentir inteira”- o último verso, o único que consegui guardar na memória.
Daí, descobri que eu tinha uma fórmula íntima para conviver comigo mesma... mudar de pele. Mudar de lugar. Para poder justificar o fato de me sentir estrangeira em todos eles, até em meu próprio corpo... Mudar de casa, de vida, de cidade, de emprego, de cardápio. Como se existisse em mim essa eterna predisposição a ir embora. Diferente das pessoas que ficam e fincam seus pés na terra. Constroem casas, encaminham vidas. Meu processo vital, até então, é seguir. E ainda não sei quando será preciso parar.
Aqui em Brasília tenho exercitado esta faceta um tanto bruscamente. E não falo de minha epiderme frágil e clara despelando sob o sol do cerrado. Mas da camada que sobreponho aos meus ossos para ser, convincentemente, outra.
Na cidade dos ternos, dos cabelos escovados e dos scarpins, eu aprendo o jogo cênico das condutas. Retiro a armadura do armário – pois todos/as precisamos de uma armadura uma vez na vida. E afio a minha lança. Reconheço algo em mim que eu deveria saber que existia. Meu yang adormecido, convivendo em paz com o yin, que sempre ecoou em overdose nos meus gestos. Fico grata por mim mesma e por essas escamas que andei deixando além, ao longo de um vasto caminho. Uma sensação de acordar refeita. Como um Buda que desperta do sono de um jejum intenso ao desvelar a face do seu medo.
Não quero ser definitiva nem me decretar curada. Mas, comemorar o prazer de não ter arrependimentos e sentir, depois de tanto tempo, o coração aberto. Brasília sorri pra mim, no azul límpido do céu em contraste com os flocos amarelos do Ipê. Uma cidade com asas e angústias feitas de concreto. Com a maior concentração de pessoas solitárias por metro quadrado do país. E, ainda assim, não me sinto sozinha. Sinto presenças invisíveis, cristalinas, extracorpóreas... uma força estranha tem esse lugar. Que nada tem a ver com o poder e toda essa sorte de complicações que ele necessariamente evoca.

Sim, agora entendo que esta pele, mesmo descamada e revestida, é, e sempre foi, inteiramente minha.