quarta-feira

in pieces

quadro de Maire Smith

Cada pedaço de mim que desvanece
Retêm um lume,
Em cada canto depredado meu
Uma nova viga
Entalho e intumesço
Refaço (des) começo
Perfuro os meus retalhos
E me alinho
Em pontos mínimos.
Não inteira
Mas refeita
Revivida.

o caos em mim...

Eu costumo dizer que odeio as pessoas práticas e metódicas. É mentira. Eu as invejo. Só isso. Por que elas evidenciam a minha incompetência em resolver questões simples de forma constrangedora. E me colocam na difícil situação de ter que ressaltar as minhas outras qualidades compensatórias, que justificam a minha presença nesse mundo mesmo em face da desordem que ocasiono em minha própria vida.

Eu sou daquelas pessoas que não suportam planejamento, odeiam conferir conta de restaurante, desistem de preencher formulários (odeio burocracia, odeio!), juntam cupons fiscais no fundo de uma gaveta por desencargo de consciência sem jamais utilizá-los para outro fim que não seja o de forro de gaveta, acham o “saco dos sacos” ter que ligar para reservar o que quer que seja, põem tudo no débito em conta para não ter que enfrentar filas de banco, chegam a desistir de algo que querem muito se alguém menciona palavras como “boleto bancário” (“empréstimo”, então, me dá calafrios e sudorese, argh!) e só compram pelo correio no último dos últimos dos casos, quando a necessidade é a mãe de todas as iniciativas.

Agora, por exemplo, preciso fazer malas, encaixotar coisas, descartar outras, imprimir textos, fazer back-ups, escrever emails decisivos, ligar para pessoas que tenho que ligar, ou seja “efetivamente efetuar” uma série de medidas que irão tornar a minha vida mais normal nos próximos dias. Mas quem disse que consigo? As formiguinhas ficam mordiscando na cabeça quando penso nessas coisas chatas. Protelo tudo e o quanto posso. Acabo acordada durante toda a madrugada anterior à viagem, fazendo às pressas o que levaria um tempo considerável para ser feito decentemente.

O meu mundo perfeito seria aquele em que ninguém demandasse organização de ninguém e todas as pessoas vivessem alegres e respeitando uma o espaço da outra, na harmonia cósmica do caos. Isto ou... ter dinheiro suficiente para pagar uma governanta suíça que passasse minhas roupas com água de colônia, fizesse prontamente as minhas malas, encaixotasse e etiquetasse meus livros e CDs - ordenando-os em embalagens práticas, de preferência compartimentadas - levasse e buscasse os casacos na tinturaria, pregasse botões, fizesse todas as ligações que tenho que fazer e mandasse os emails que tenho que mandar e organizasse uma agenda que nunca me deixasse cansada, enquanto eu estaria preparando o meu espírito para a mudança, distante de qualquer banalidade, ouvindo música clássica e recebendo shiatzu em meio a uma sessão de aromaterapia...

Sabem como é... esses deliciosos sonhos da burguesia, tão apetecíveis a quem não pode.... por isso novela do Manoel Carlos faz tanto sucesso.

Desejem-me sorte, vou postar menos por uns dias, as mudanças geográficas costumam levar nosso tempo embora...assim que a órbita voltar ao seu eixo, retorno.

Em busca do homem sensível

Se o amor é uma coisa que se aprende, creio que as pessoas de minha geração foram ensinadas a ter quereres um pouco acima da média, então. Nesse mundo pós-anos 80, com seus rituais efêmeros, sincréticos e recicláveis, o amor foi destilado em muitas línguas e cores, para tornar-se palatável a olhos e ouvidos tão inclinados à fugacidade. O amor virou pastiche de si mesmo, ecoando entre um frame e outro de um videoclipe. Estamos condicionados a trocar de amor tão rápido quanto fazemos zapping.

Mas não era disso que queria falar. Queria tentar partilhar a minha inquietação com uma das construções dessa cultura pós-moderna do amor: o homem sensível. Eu cresci consumindo a sua figura. Um dos legados pós-80. Na época, eles eram Dustin Hoffman, Al Pacino e Wood Allen, baixinhos e de óculos, em cenas de choro e monólogos de demonstração de fragilidade.

Contrapunham-se à imagem do macho dominante, brigão e arrebatador (como Clarck Gable, cínico e sedutor, roubando beijos de Scarlett O’hara)... Não dava mais para esses tipos conviverem lado a lado com mulheres de terno, working girls, cada vez mais incisivas rumo ao mundo dos negócios. Daí, cunharam expressões como “ocaso masculino”, dentre outras. É incrível como a construção de certas personagens são pertinentes à época em que emergem.

Eu lembro do apelo exercido pela capa do livro de Anais Nin, na prateleira da biblioteca da universidade: “Em Busca do homem sensível” - não confundir com essa leva de auto-ajuda para mulheres, tão comuns hoje -... eram crônicas e palestras da escritora. Uma delas falava desse novo homem, que surgia das alternativas de convivência propostas pela geração hippie, não lembro das palavras exatas com as quais ela descrevia, mas sim de alguns exemplos, como o de um jovem casal que viajava de moto pelo país, partilhando da pouca comida e das dificuldades. Nin exultava essa mudança de paradigma masculino como uma conseqüência das revoluções sociais, sem manipular nem puxar a sardinha para o mito do protagonismo das mulheres, as “invasoras” do mundo público de então. Para ela, o homem sensível não era simplesmente um macho ferido, mas alguém capaz de caminhar lado a lado, ciente das desigualdades...

Cá com meus botões, me pergunto se não sou da geração que enxergou no “homem sensível” um novo rótulo do príncipe encantado. Pela formação que recebi, posso apenas ter resignificado os clichês do amor romântico, fiz planos com eles, me apaixonei pelos personagens nos filmes em que via... na maioria das vezes não deu certo, porque os rótulos, infelizmente, boiam n’água ou despelam sob temperaturas mais agudas... À primeira crise, se desfazem...bye.

Sinceramente, tenho a sensação de que a maioria dos homens não se esforça em ser mais do que é... não se preocupa em cativar, surpreender, em fugir do lugar comodamente comum do macho dominante. Se a sensibilidade casualmente acontece, ok. Se não, tudo bem.

Vou explicar: não acho que um homem mereça palmas por ser minimamente educado ou gostar de cinema, isso é legal, se acontece, mas eles agem como se, cumprido o clichê, pronto, tá de bom tamanho. Se comportando como se apenas o fato de existirem fosse um grande favor, um serviço prestado à humanidade com a população feminina excedente. Não se trata apenas de estar presente. E o amor? Não a sensibilidade das citações, frases feitas, mas e os gestos espontâneos? Amabilidade e a gentileza não se arrancam, se dão. E eu sou chata e exigente. Demais. Impiedosa, quase.

Fico me questionando até que ponto Anais Nin tinha razão. Ou se foram apenas os filmes, músicas e livros que li que me lançaram numa expectativa além da conta. Porque...confesso, não tenho paciência para os não-sensíveis nem vejo muita graça nesse vai-e-vem nauseante das relações líquidas - reluzem como uma gota d’água por um lampejo de segundo, mas logo se espatifam na placidez do oceano, retomando uma busca contínua, que não cessa...

Talvez eu seja apenas pessimista. Talvez não tenha tido sorte. Talvez a busca tenha apenas começado. Quem saberá responder?... Espero mesmo que seja apenas o incômodo dos calos em meu desiludido cotovelo.