segunda-feira

fragmentos de dias aflitos

Os acontecimentos vandalizam minhas idéias.

Mas eu caminho, bamboleante. Ontem salvei uma libélula da alegria felina de minha gata, fazendo as vezes de caçadora. Quantas alegrias homicidas vemos por aí. Não a dela, instintiva e doce com seu brinquedo, encantada pelo frêmito esfuziante de asas. Mas, a dos predadores pensantes, que devoram corações e almas, e ainda palitam os dentes...

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Pensei em todas as coisas que poderia fazer para mudar meu destino e nunca tive coragem... vamos começar pelo começo: ...Fiz uma lista de desejos.

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Me matriculei numa academia. Queria aulas de yoga, mas fiquei na espera.

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Recebi flores e ternuras de um completo estranho. Certas estranhezas me agridem.
Gosto das gentilezas repentinas e acredito no afeto solidário. Mas há exceções. Há que se duvidar das boas intenções de um desconhecido desarvorado.

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Ontem, também ontem, saí a caminhar na noite de uma cidade pequena e cheia de estrelas, queria beijos da lua.

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Amanhã vou pra Belo Horizonte, trabalhar contra a vontade. Odeio viagens de afazeres, mas prometo curtir a paisagem...

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Na cortiça um provérbio chinês irradia o obscuro do meu quarto: “A vida é cair sete vezes e levantar oito”. Tão real.

terça-feira

rotinas


O dia chega coberto de solidez
Eu me derramo
O que a vida exige
eu clamo.
Quem há de poder mais?

Acumulo fios de horas
Minha mente esculpe palavras
Natimortas
Na frágil tentativa
De significância

O que deito no papel
Ali jaz
sem intenção oculta
convicto de desvalor

Uma camisa de força
estende suas ataduras em torno
Dos meus braços:
Escrevo datas, horas
Enfeito argumentos de autoridade
com as tiras das aspas
Desfio
Prefácios e prelúdios
De coisa alguma...

Enquanto...

Meu coração
Se apassarinhando
Sonha em ser madrugada
E sair cantarolando

segunda-feira

cemitério de afetos


foto: Dan Baumbach

Algumas pessoas deixam de existir em nossas vidas bruscamente, como um golpe de machado. Sua última recordação acaba por ser a rispidez fria da lâmina.

Há pessoas que se suicidam em nossas vidas. Saem de cena soterradas pelo peso de gestos de uma tonelada de torpeza ou suaves palavrinhas fincadas como agulhas no coração.

Sem mencionar o pior dos apartes: a traição, aquela, que todos viram e você foi a última a inteirar-se.

Lembro de uma morte dessas nos meus arquivos. Sua ocorrência encontra-se registrada em algum caderno velho, lembrança longínqua que me diz: sim, houve tal pessoa, mas meu senso de sobrevivência a excluiu solenemente do universo.

O sentimento daquela existência torna-se um dejeto que por vezes orbita a consciência, nada mais.

(Quando isso acontece, uma certeza: tratava-se de uma presença superficial, aquela que se apresenta apenas quando lhe convem ou necessita algo, sem cavar brechas para enterrar as miudezas, as jóias do cotidiano, o único que pode ficar da história de qualquer relação, seja de amor ou amizade, perdida.)

Tenho fantasmas que, se encontrar na rua, irei jurar que é apenas manifestação de mediunidade.

Há pessoas que se matam aos poucos, vão convalescendo, se distanciando um milímetro a mais a cada dia. Estas deixam lembranças que equivalem a um cartão postal ou um retrato na parede.

Há os que se matam com a indelicadeza da rejeição. Telefonemas não atendidos, emails não respondidos. Um belo dia constatamos que não existe mais qualquer vínculo que justifique a sua sobrevida.

Há os amores que insistimos em manter vivos. Entubamos, acoplamos aparelhos modernos, injetamos nosso próprio sangue, abrimos o peito e massageamos o coração. Até a dor daquele sofrimento prolongado se consumar, em falência múltipla dos órgãos ou eutanásia. Agonia insustentável. É uma das poucas mortes sentimentais para as quais reservamos um fio de esperança de ressurreição.

Hoje constatei que carrego em mim um cemitério de afetos vencidos.

sexta-feira

Belos dias


Fotografia de © Alinari



Transcrevo aqui uns versos de minha avó Luzinha, que aos 94 anos se descobriu poeta. Ela escreve reto e simples, desta altura da vida.

Hoje o sol está lindo
os pássaros alegres a cantar
o dia parece longo e infindo
Espero ansiosa vê-lo passar

Estou com idade avançada
E o passado bem distante
Através da janela do 2o. andar
Vejo o vai e vêm dos carros
em disparada
Ao lado da praça ajardinada

Através da janela do quarto
vejo os ramos a balançar
Não sei que dia eu parto
Estou sempre a divagar.


Luzia Dantas, 12 de abril de 2006.

quinta-feira

Terra estrangeira





fotos: Abbas Kiarostami

Me perco numa paisagem de Kiarostami. Areias espessas. Imagens negativas. Entre o granulado da areia, a estrada intermitente, uma árvore rota, voragem. Memórias silentes do porvir. Solidão introjetada numa fotografia em branco e preto. Sobre suas fotos, ele diz: “um profundo sentimento de inadequação”.
Assim como eu. Minha paisagem é esta. Nuvens imensas me inundam, quase ausentes de desejo e de sentido. O que compele à vida? Nesse mundo árido, derramado de sóis? Qualquer dia, qualquer um, nesses lugares tingidos de cinza que borraram meu rosto. Nesse anjo de concreto de asas mudas.
Meu pensamento permite-se, mas não ousa. Haverá fendas, foguetes, trilhas? Ainda não sei. Meu coração, não. Não é uma ilha.

Meu coração é uma estrada de Kiarostami.

sábado




fragmentos dos diários de Frida Kahlo.
Correspondência via email, advinhando as linhas de minha alma.
A certeza de que apenas a arte salva, nesses tempos de fúria.

quinta-feira

este foi o meu pior template de todos os tempos. e como acontece com as pessoas rabugentas, eu emburrei. não estou gostando de olhar na cara do blog. vou colocar qualquer outro modelo e depois penso a respeito.

Adicionando: Este template atual não é o que critico no post. Já mudei. Inconstâncias, incostâncias...